quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Segure firme!



O meu primeiro contato como residente com o professor Ivo Pitanguy foi no corredor da sua clínica. Eu já tinha dito que a princípio, iria apenas observar as cirurgias. Quando, de repente, fui puxado pelo braço - “Venha comigo!”. O professor chamou-me para auxiliá-lo numa cirurgia ambulatorial. Era um paciente com um tumor de ponta nasal, cirurgia feita apenas com anestesia local. Eu já estava mais nervoso do que o paciente. Era um senhor com os seus sessenta anos, com facies pletóricas, e eu pensei - Esse aí vai sangrar muito!
O professor muito educadamente me disse - “a sua função é apertar o nariz para evitar o sangramento”. E assim o fiz. Mas, de vez em quando, na minha inexperiência de R1 eu tentava limpar o campo com gazes, e o professor dizia - “segure firme!” O senhor, por momentos chegou a sorrir, talvez compadecido da minha situação de principiante. E eu, enquanto apertava o nariz, ouvia as palavras sábias do mestre. Ele, sabendo que a escritora Rachel de Queiroz era minha “prima velha”, como a mesma gostava que eu a chamasse, falou-me das histórias da Academia Brasileira de Letras e dos seus ilustres imortais. Enquanto isso, a cirurgia caminhava bem, sangramento a parte.
E eu, segurando o nariz, consegui dizer ao professor, que além de cirurgião era artista plástico. Ele logo se interessou pelo assunto e como um grande amante das artes, também deu a sua aula sobre o assunto. Falou-me de Dali e de outros grandes artistas que faziam parte do seu acervo. Por conta dessa conversa, através do Dr. Francisco Salgado, consegui logo depois uma bolsa da PUC para fazer as ilustrações cirúrgicas do professor, tanto para suas aulas, como para os trabalhos científicos.
Já rodado o retalho, eu estava mais controlado, mas ainda sem respirar normalmente. E apenas após o último ponto, quando percebi que podia soltar o nariz do paciente sem haver sangramento, consegui respirar profundamente. O professor disse - “faça um curativo compressivo”. Assim o fiz, e durante os três anos que estive no serviço, segurei muitos narizes, mamas e faces. Operei muito no terceiro ano da residência, o R3, e voltei para o Ceará com uma certeza: Quando você quer alguma coisa, você tem que segurar firme.

Isso aconteceu em fevereiro de 1993.

Texto publicado no livro Ivo Pitanguy, além do bisturi. Biografia de uma lenda; de Moises Wolfenson. 2017.


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